Câncer: novas estratégias contra um velho inimigo
Durante décadas, a Medicina vem travando um duelo ingrato contra o mais temido de todos os vilões: o câncer, que esconde na metástase a sua face mais sombria, impondo o definhamento contínuo, com a morte sempre à espreita.
Nessa guerra, o arsenal clássico é formado pela cirurgia, sempre que possível, que visa arrancar o inimigo a golpes de bisturi, além da radioterapia e da quimioterapia, que têm como meta a morte das células neoplásicas. Como em todo combate, existem danos colaterais. Células normais são civis indefesos, sucumbindo em meio ao bombardeio relativamente impreciso.
Mas uma ideia vem crescendo nos últimos tempos, de forma promissora. Uma ideia que surgiu no final do século XIX, a partir da mente brilhante de um pesquisador inglês, Stephen Paget e, como um tumor latente, ficou adormecida até alguns anos atrás. Paget notou que as metástases do câncer de mama surgiam em pontos distantes, como o fígado, enquanto grandes planícies mais próximas estavam livres do tumor. A partir dessa observação simplória, concebeu a ideia de “solo e semente”. A célula cancerígena, a semente do mal; o órgão a ser colonizado, o solo. E este, poderia ser propício ou não. Com os parcos conhecimentos da época, Paget não conseguiu avançar no estudo do “solo”. E nas décadas seguintes, numa visão mais estreita e simplista, o foco terapêutico ficou apenas sobre a semente, a célula maligna, o agente agressor que se move de forma ativa em busca de expandir seu território. Uma semente que precisava ser eliminada a qualquer custo.
A mudança de paradigma, resgatando a ideia de Paget, é entender que nossos órgãos não são “inocentes indefesos” à espera do ataque letal. De forma exponencial, estudos atuais têm demonstrado que o sistema imunológico possui um incansável exército, que luta de forma diuturna contra o surgimento de metástases. É quase certo que todos nós tenhamos nesse exato momento células tumorais em algum rincão do corpo. E algumas delas escorrem pela corrente sanguínea a cada instante. Quase sempre nossas células de defesa, especialmente os linfócitos com o sugestivo nome de “natural killer”, dão cabo da situação, impedindo a doença.
Não por acaso, quando o sistema imunológico é frágil – aqui a AIDS do final do século passado é emblemática -, sarcomas e linfomas, entre outros tipos de câncer, atacam sem piedade.
Nos recentes congressos de oncologia, é inegável o entusiasmo com os tratamentos imunológicos, já existentes ou iminentes, de diversos tipos de câncer. Parece que a visão “ecológica” da doença, do “solo e semente”, veio para ficar e já dá frutos. Cada vez mais dá-se ênfase ao fortalecimento do “solo”. O irônico é que, nesse contexto, o que se deseja é torná-lo infértil, hostil às células tumorais, matando o mal literalmente pela raiz.